O Mito da Caverna nos ensina algo mais, afirma o filósofo alemão Martin
Heidegger, num ensaio intitulado "A doutrina de Platão sobre a verdade",
que interpreta o Mito como exposição platônica do conceito da
verdade.Deste ensaio, destaco alguns aspectos:
O Mito da Caverna estabelece uma relação interna ou intrínseca entre a
paidéia e a alétheia: a filosofia é educação ou pedagogia para a
verdade.
O Mito propõe uma analogia entre os olhos do corpo e os olhos do
espírito quando passam da obscuridade à luz: assim como os primeiros
ficam ofuscados pela luminosidade do Sol, assim também o espírito sofre
um ofuscamento no primeiro contato com a luz da idéia do Bem que ilumina
o mundo das idéias.
A trajetória do prisioneiro descreve a essência do homem (um ser dotado
de corpo e alma) e sua destinação verdadeira (o conhecimento das
idéias). Esta destinação é seu destino: o homem está destinado à razão e
à verdade.
Por que, então, a maioria permanece prisioneira da caverna? Porque a alma não recebe a paidéia adequada à destinação humana.
Assim, a paidéia, alegoricamente descrita no mito, é "uma conversão no
olhar", isto é, a mudança na direção de nosso pensamento, que, deixando
de olhar as sombras (pensar sobre as coisas sensíveis), passa a olhar as
coisas verdadeiras (pensar nas idéias).
E, observa Heidegger, não foi por acaso que Platão escolheu a palavra
eîdos para designar as idéias ou formas inteligíveis, pois eîdos
significa: figura e forma visíveis. O eîdos é o que o olho do espírito,
educado, torna-se capaz de ver.
O Mito da Caverna recupera o antigo sentido da alétheia como
não-esquecimento e não-ocultamento da realidade. Alétheia é o que foi
arrancado do esquecimento e do ocultamento, fazendo-se visível para o
espírito, embora invisível para o corpo.
A verdade é uma visão, visão da idéia, do que está plenamente visível
para a inteligência e, por ser visão plena, a verdade é evidência.
A idéia do Bem, correspondente ao Sol, não só ilumina todas as outras,
isto é, torna todas as outras visíveis para o olho do espírito, mas é
também a idéia suprema, tanto porque é a visibilidade plena quanto
porque é a causa da visibilidade de todo o mundo inteligível.
A filosofia, conhecimento da verdade, é conhecimento da idéia do Bem,
princípio incondicionado de todas as essências. Assim como o Sol permite
aos olhos ver, assim o Bem permite à alma conhecer.
A luz é a meditação entre aquele que conhece e o aquilo que se conhece.O
Mito possui ainda um outro sentido pelo qual compreendemos por que
Platão é o inventor da razão ocidental.
De fato, na origem a palavra alétheia é uma palavra negativa (a - létheia), significando o não esquecido, não escondido.
Com o Mito da Caverna, porém, a verdade, tornando-se evidência ou
visibilidade plena e total, faz com que a alétheia perca o antigo
sentido negativo e ganhe um sentido positivo ou afirmativo.
A verdade se transfere do Ser para o conhecimento total e pleno da idéia
do Bem. Com isto, escreve Heidegger, a verdade dependerá, de agora em
diante, do olhar correto, isto é, do olhar que olha na direção certa, do
olhar exato e rigoroso.
Exatidão, rigor, correção são as qualidades e propriedades da razão, no
Ocidente. A verdade e a razão são teoria, contemplação das idéias quando
aprendemos a dirigir o intelecto na direção certa, isto é, para o
conhecimento das essências das coisas.
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